Na barra lateral do blog, numa passagem do texto PDT: por que sou dissidente (e uma reflexão sobre a política no DF), fiz menção a dois termos que caracterizam o método aplicado pelo PT para o exercício da política e a busca do poder (ou a manutenção deste): "presente eterno" e "Moderno Príncipe". Não os conceituei, mas me comprometi a tentar esclarecer, ao longo do tempo, o sentido de cada um deles. Tais elaborações não são minhas, evidentemente (meu alcance intelectual não chega a tanto, e não se trata de falsa modéstia, muito embora sempre procure, até onde consigo, cotejar teorias e definições com a lógica e a verdade dos fatos), mas do cronista político Reinaldo Azevedo, que aplica ambos aqueles termos ao cotidiano da política brasileira. Um dos termos ("Moderno Príncipe"), vale dizer, é importado da teoria política gramsciana, e o cronista não se furta a esse registro. Muito ao contrário: com a citação, consegue mais ainda embasar o sentido do que quer argumentar. É fato: tais conceitos caem como luva na política brasileira da atualidade, em particular no discurso e na prática de Lula e do PT.
O seguinte texto de Reinaldo Azevedo (transcrito em itálico), publicado em seu blog em 7 de abril último, define o termo "presente eterno" (confira no trecho grifado na cor verde). Acrescentei ao texto um pequeno trecho, identificado em caixa alta, na cor vermelha. Atenção: nesse mesmo trecho, incluí um link que remete a um vídeo com voz e imagem de ninguém menos que Lula, versão 2000. Após a transcrição, discorro sobre o significado de Reinaldo Azevedo para este blog.
DILMA NO TÚMULO DE TANCREDO: FINALMENTE, O LOBO EM PELE DE CORDEIRO
A candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, tenta desesperadamente chamar a atenção. A iniciativa mais recente, de fato, é de lascar. Em seu périplo mineiro, decidiu botar flores no túmulo de Tancredo Neves. Segundo ela, o presidente Lula realizou o sonho do mineiro eleito presidente, mas que não chegou a tomar posse. Pouco importa de que lado se esteja da peleja, pouco importa a torcida, o fato é que o gesto é de uma impostura fabulosa.
A oposição divulgou uma nota em que acusou Dilma de “encenação” e “prática eleitoreira”. É um pouco mais: trata-se de uma farsa, porém exercida com método.
O PT combateu ferozmente Tancredo Neves e se negou a participar da votação no Colégio Eleitoral, que era, àquela altura, o único caminho possível para evitar a eleição de um presidente ainda indicado pelo Regime Militar. Sem a união do PMDB com o grupo de dissidentes do PDS — Frente Liberal, que seria o núcleo do futuro Partido da Frente Liberal (PFL) —, Paulo Maluf teria sido eleito presidente da República.
ATENÇÃO! Não é que o PT tenha apenas de oposto oficialmente à participação no Colégio e pronto! Ele expulsou 3 de seus então 8 deputados que contrariaram a orientação e decidiram votar em Tancredo: Beth Mendes, José Eudes e Airton Soares. Isto mesmo: expulsou, botou na rua, não quis mais saber, jogou-os aos leões. Foram tachados de “traidores”. Por quê? Porque, segundo os petistas, tudo não teria passado de uma tramóia para fazer a transição negociada. Tramóia? A emenda das Diretas tinha sido derrotada pelo Congresso.
Este é o PT. Construiu-se depredando reputações, dizendo um “não” sistemático a todas as tentativas honestas — as atrapalhadas e as boas, tanto fazia — de melhorar o Brasil que não estivessem sob o seu controle e sob o seu comando.
E vejam que coisa fabulosa: José Sarney, indicado pela Frente Liberal para ser o vice de Tancredo, acabou assumindo a Presidência. Os petistas lhe fizeram oposição ferrenha — num momento em que, vá lá, ele estava do lado que fazia avançar a democracia. O PT só se uniu a Sarney em 2002, quando ele estava de volta a seu nicho original, o coronelismo mais atrasado, ecoando o patrimonialismo mais primitivo.
Não foi só o Colégio Eleitoral que o PT sabotou não:- tachou a Constituinte e a Constituição de tramóia das elites; o partido se negou a homologar o texto numa solenidade simbólica de adesão do Congresso à Carta Magna. Lula esteve entre os parlamentares constituintes mais relapsos. Dizia abertamente que aquilo não servia pra nada; que era a Casa dos 300 picaretas;- quando Collor renunciou, e Itamar Franco assumiu a Presidência, o país chegara a uma espécie de grau zero da legalidade. O PT se negou a participar do governo porque as pesquisas indicavam que Lula era o favorito para sucedê-lo. Cumpria, pois, ficar na oposição, malhando o governo;- o PT expulsou Luíza Erundina, que aceitou ser ministra do presidente Itamar Franco;- o PT se opôs ferrenhamente ao Plano Real e sustentava que ele era contra os trabalhadores;- o PT se opôs ao programa de reestruturação de bancos — para o partido, nada além de mamata para banqueiros. O Proer é a base da solidez do sistema bancário brasileiro, que resistiu muito bem à crise global;- o PT se opôs ao programa de reestruturação dos bancos estaduais, fonte permanente de desastres para os estados;- o PT se opôs às privatizações, que retiraram o país da taba;- o PT se opôs às reformas constitucionais, parte delas apresentada pelo próprio partido em 2003;- o PT recorreu ao Supremo contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, que Palocci passou a considerar “inegociável ” e “intocável” só a partir de 1º de janeiro de 2003;- hoje, o PT sabota o programa de reestruturação da educação e da saúde em São Paulo.[TRECHO NOSSO:] - o PT se opôs aos programas de transferência de renda implantados por FHC, atualmente centralizados no Bolsa Família. (assista Lula em 2000 aqui)
Volto a Tancredo. A homenagem a Tancredo, com 25 anos de atraso, é a expressão de um método, além de ser ato do mais rasteiro eleitoralismo. O partido, costumo dizer, instituiu o presente eterno na política. Pouco importa o que tenha feito, sempre estará a defender o seu ato mais recente, como se a história não existisse. Sim, partidos podem mudar de rumo. O Trabalhista, da Inglaterra, dizia-se marxista e socializante. Antes da ascensão de Tony Blair, houve por bem rever os seus conceitos. Não chegou a ser um mea-culpa. Foi uma revisão: “Estamos errados; não podemos mais pensar isso”. E mudaram seus estatutos e sua prática.
O PT não revê coisa nenhuma. Sua teoria é outra e já foi exemplarmente exposta por Lula. Trata-se, como ele revelou numa entrevista concedida ainda em 2003, da Teoria da Bravata. Ele acha normal que um partido defenda uma coisa quando está na oposição e o seu oposto quando está na situação.
Essa postura é de tal sorte escandalosa que, no debate sobre a reforma da Previdência que Lula decidiu fazer em 2003 (depois de tê-la atacado severamente no governo FHC), os deputados federais do partido defendiam a proposta para os servidores da União, mas os deputados estaduais de São Paulo se opunham a texto idêntico para os funcionários do Estado. Afinal, o partido era governo no Brasil, mas era oposição em São Paulo.
Para ficar na zoologia dilmística, vemos agora a petista posar (Emir Sader escreveria “pousar”) de cordeiro no túmulo de Tancredo, embora o partido tenha sido o lobo de todos os que lutaram, antes dele, para fazer um país melhor.
SIGNIFICADO DE REINALDO AZEVEDO PARA ESTE BLOG
Desde 2004 costumo ler as crônicas políticas de Reinaldo Azevedo. Ideologicamente, tenho concordâncias e discordâncias com ele. Ele, de direita; eu, de centro (pendendo ora para a direita, ora para a esquerda). Muitos afirmam: "Dizer-se de centro é uma maneira dissimulada de não se assumir de direita." De minha parte, fosse o caso, não teria nenhum problema em me assumir como tal. Até porque me considero de direita em alguns temas. Se é que tais referências ainda sejam válidas como classificação político-ideológica. Mas não é disso que quero tratar aqui. E sim expor a opinião pessoal de que Reinaldo Azevedo, na condição de cronista da realidade política brasileira, distingue-se como um dos mais importantes formadores de opinião do Brasil, concorde-se ou não com ele. Para mim, ele tem um significado especial. Elegi-o como uma de minhas principais referências literárias em assuntos sobre política em função de sua cultura e lucidez intelectual, de seu jeito claro e elegante de se expressar, da lógica severa que transpira de seus textos, do rigor com os fatos, de seu humor certeiro, de sua parcialidade e não isenção declaradas com fervor ("é preciso ter cuidado com aqueles que se dizem imparciais e isentos", costuma dizer), de sua argumentação ferina contra alguns (por vezes impiedosa), não raro oportuna e fundamentada. Muito dificilmente erra. Mas atenção: não considero erro algo com que não concordo, ou mera imprecisão informativa, sanável com um simples “erramos”. Quero me referir ao compromisso que ele e todos devemos ter com a verdade. Em meu ponto de vista, já o flagrei em pelo menos uma incoerência fundamental (se correto meu juízo) [ler apêndice abaixo]. Pudera eu ler mais autores com sua qualidade. Infelizmente não me sobra tempo. Ouso recomendar: antes de qualquer tomada de posicionamento político ou montagem de opinião, é-se necessário ler Reinaldo Azevedo. Tomando-o como ponto de referência, testem-se: seja adotando posição igual ou semelhante, seja defendendo o contrário, seja sustentando um meio termo qualquer, ou até mesmo fingindo ignorá-lo, em todos esses casos — posso garantir — a argumentação e o espírito crítico sairão mais afiados.
[Apêndice — inclusão em 3/12/2010] Reinaldo Azevedo costuma dizer em seus escritos mais recentes que defendeu oimpeachment de Lula à época do desvendamento do esquema que ficou conhecido como “Mensalão”, em 2005. NÃO É VERDADE. Ele só veio a defender esse expediente constitucional a partir dos meses iniciais de 2006, quando Lula, segundo as pesquisas de opinião do período, conseguira recuperar sua popularidade, alcançando os mesmos níveis pré-Mensalão. O timing político para a proposição formal doimpeachment ficara no passado, algo por todos sabido (inclusive por ele, o cronista). Não bastasse isso, tal defesa revelara-se tímida, retórica, muito pouco convincente para os padrões do articulista e sua verve, o que me leva a crer que a tenha formulado somente “para constar nos anais”. Não tenho receio em afirmar que Reinaldo Azevedo era um daqueles que, em 2005, acreditavam que melhor seria deixar Lula “sangrando em praça pública” até as eleições de 2006 — imaginando que assim a vitória da oposição estaria garantida — do que, no limite da legalidade, dar efetividade ao imperativo ético de lutar pela responsabilização política do presidente, sem dúvida o maior beneficiário até então daquela operação política corrupta (flagrando-se ou não o presidente, pois responsabilização política é diferente de responsabilização judicial, a exemplo do caso Collor). Resumo da ópera: Lula foi reeleito com folga nas eleições de 2006. Perderam Reinaldo Azevedo, o PSDB, o DEM, enfim, todos aqueles que apostaram na tal “tese do sangramento”. Tese essa, sublinhe-se, covarde e eleitoreira, que o cronista hoje hipocritamente repreende. Isso é História. Que me perdoe Reinaldo Azevedo.
Desde 2004 costumo ler as crônicas políticas de Reinaldo Azevedo. Ideologicamente, tenho concordâncias e discordâncias com ele. Ele, de direita; eu, de centro (pendendo ora para a direita, ora para a esquerda). Muitos afirmam: "Dizer-se de centro é uma maneira dissimulada de não se assumir de direita." De minha parte, fosse o caso, não teria nenhum problema em me assumir como tal. Até porque me considero de direita em alguns temas. Se é que tais referências ainda sejam válidas como classificação político-ideológica. Mas não é disso que quero tratar aqui. E sim expor a opinião pessoal de que Reinaldo Azevedo, na condição de cronista da realidade política brasileira, distingue-se como um dos mais importantes formadores de opinião do Brasil, concorde-se ou não com ele. Para mim, ele tem um significado especial. Elegi-o como uma de minhas principais referências literárias em assuntos sobre política em função de sua cultura e lucidez intelectual, de seu jeito claro e elegante de se expressar, da lógica severa que transpira de seus textos, do rigor com os fatos, de seu humor certeiro, de sua parcialidade e não isenção declaradas com fervor ("é preciso ter cuidado com aqueles que se dizem imparciais e isentos", costuma dizer), de sua argumentação ferina contra alguns (por vezes impiedosa), não raro oportuna e fundamentada. Muito dificilmente erra. Mas atenção: não considero erro algo com que não concordo, ou mera imprecisão informativa, sanável com um simples “erramos”. Quero me referir ao compromisso que ele e todos devemos ter com a verdade. Em meu ponto de vista, já o flagrei em pelo menos uma incoerência fundamental (se correto meu juízo) [ler apêndice abaixo]. Pudera eu ler mais autores com sua qualidade. Infelizmente não me sobra tempo. Ouso recomendar: antes de qualquer tomada de posicionamento político ou montagem de opinião, é-se necessário ler Reinaldo Azevedo. Tomando-o como ponto de referência, testem-se: seja adotando posição igual ou semelhante, seja defendendo o contrário, seja sustentando um meio termo qualquer, ou até mesmo fingindo ignorá-lo, em todos esses casos — posso garantir — a argumentação e o espírito crítico sairão mais afiados.
[Apêndice — inclusão em 3/12/2010] Reinaldo Azevedo costuma dizer em seus escritos mais recentes que defendeu oimpeachment de Lula à época do desvendamento do esquema que ficou conhecido como “Mensalão”, em 2005. NÃO É VERDADE. Ele só veio a defender esse expediente constitucional a partir dos meses iniciais de 2006, quando Lula, segundo as pesquisas de opinião do período, conseguira recuperar sua popularidade, alcançando os mesmos níveis pré-Mensalão. O timing político para a proposição formal doimpeachment ficara no passado, algo por todos sabido (inclusive por ele, o cronista). Não bastasse isso, tal defesa revelara-se tímida, retórica, muito pouco convincente para os padrões do articulista e sua verve, o que me leva a crer que a tenha formulado somente “para constar nos anais”. Não tenho receio em afirmar que Reinaldo Azevedo era um daqueles que, em 2005, acreditavam que melhor seria deixar Lula “sangrando em praça pública” até as eleições de 2006 — imaginando que assim a vitória da oposição estaria garantida — do que, no limite da legalidade, dar efetividade ao imperativo ético de lutar pela responsabilização política do presidente, sem dúvida o maior beneficiário até então daquela operação política corrupta (flagrando-se ou não o presidente, pois responsabilização política é diferente de responsabilização judicial, a exemplo do caso Collor). Resumo da ópera: Lula foi reeleito com folga nas eleições de 2006. Perderam Reinaldo Azevedo, o PSDB, o DEM, enfim, todos aqueles que apostaram na tal “tese do sangramento”. Tese essa, sublinhe-se, covarde e eleitoreira, que o cronista hoje hipocritamente repreende. Isso é História. Que me perdoe Reinaldo Azevedo.
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