28 de abril de 2010

MENSALÃO DO ARRUDA: POR QUÊ?


Diante de qualquer caso de corrupção política, pode surgir o desafio de se entender como se chegou àquilo e, principalmente, como evitar novos casos de corrupção. Desafio esse que se apresenta em especial para estudiosos de certas áreas do conhecimento, dentre as quais o Direito e a Ciência Política. No Direito, investiga-se por exemplo a eficácia ou não das punições, ou a eficiência ou não das leis processuais. Na Ciência Política, o bom funcionamento ou não das instituições políticas. É no plano da contribuição desta última área do conhecimento que me atenho neste momento, no particular para expor, via opinião de terceiro, algumas das condições políticas que facilitaram a formação e o desenvolvimento da máquina de corrupção no Governo do Distrito Federal recentemente descoberta, que ficou conhecida (equivocadamente, a meu ver — ler parágrafo a seguir) como "Mensalão do DEM". Para isso, recorro ao cientista político Murillo de Aragão, que no artigo abaixo dá seu resumido parecer acerca do assunto. 


Antes, uma digresssão. A linguagem quer dizer muita coisa, especialmente na política. Refiro-me particularmente às designações que se consolidam na opinião pública para intitular acontecimentos e até mesmo personagens. Como exemplo, detenho-me no título "Mensalão do DEM", ou "Mensalão do Democratas". De minha parte, acho equivocada tal expressão. É bem certo que, mensalão por mensalão, o dinheiro público já foi para o ralo... O fato: o Democratas (DEM) — concordemos ou não com sua linha político-ideológica, relembremo-nos ou não de seus rolos recentes no Senado Federal (protagonizados por Efraim Morais), enfim, gostemos ou não deste partido —, por suas instâncias hierárquicas, decidiu expulsar de seus quadros todos os personagens envolvidos no caso de corrupção em foco (José Roberto Arruda, Paulo Octávio, Leonardo Prudente e Geraldo Naves). Os três primeiros só não foram expulsos formalmente porque, já sabendo de antemão o veredicto, desfiliaram-se voluntariamente. Portanto, pelo menos até o presente momento, compreendo como correto afirmar — diante das decisões tomadas, da maneira como foram tomadas (sem muita demora, inclusive) — que não houve cumplicidade do partido com os delitos cometidos nem tampouco com os envolvidos. Ponto positivo para o DEM quando decidiu pela expulsão; porém, ponto negativo quando não se antecipou aos delitos, fiscalizando os filiados ao partido, em especial os detentores de mandato. E este último aspecto, queiramos ou não, acaba, sim, por depor contra o DEM. Mas daí a se aceitar a expressão "Mensalão do DEM", penso haver uma grande distância. Inexatidão involuntária pura e simples? Ou má-fé? A mim não importa se até o Jornal Nacional também se exprima dessa maneira, ainda que inclua um "de Brasília" logo após. Entendo que mais adequada seria a expressão "Mensalão do ex-governador Arruda", ou simplesmente "Mensalão do Arruda". E antes de encerrar a digressão, lanço, como contraponto, um questionamento: e quanto à expressão "Mensalão do PT": seria ela apropriada? Penso que não seja necessário ir adiante, sem antes indagar: houve expulsão dos envolvidos? (E que não seja contada a expulsão mixuruca de um membro apenas, um mero cumpridor de tarefas, ainda fidelíssimo ao partido, a propósito.)


Retomo. No artigo a seguir, grafado em itálico (os destaques são meus), publicado originalmente no Blog do Noblat em 4 de março último, Murillo de Aragão discorre, a meu ver com propriedade, sobre as sete pragas que concorreram para a corrupção em Brasília, pragas essas que, segundo o autor, assolam a política nacional como um todo. Após o artigo, finalizo com algumas palavras.


AS PRAGAS DA POLÍTICA


Para o observador distante, é muito estranho que Brasília apresente episódios graves de corrupção como os recentemente revelados.


Esperava-se que um eleitorado mais informado e educado, próximo dos poderes centrais, estivesse melhor aparelhado para escolher adequadamente os seus governantes.


Esperava-se, ainda, que o governo central tivesse um olhar mais próximo da gestão distrital. Afinal, os brasileiros — por meio do governo federal — sustentam parte expressiva dos gastos do GDF. 
No entanto, não é difícil entender o que se passou. Brasília sofre de sete graves pragas que permitem a ocorrência continuada de episódios como o ora conhecido como Mensalão do DF.


A primeira praga é a desinformação. Por mais paradoxal que seja, Brasília é uma cidade muito mal informada sobre a política local. A televisão aberta cobre pouco e mal o que se passa nos bastidores da política. Apenas por conta da gravidade do ocorrido, deu o devido destaque.


Outro problema está na dependência financeira dos veículos locais das verbas do GDF. Tema muito delicado. Obviamente, dependendo das verbas do governo local para sobreviver, o noticiário tende a ser superficial e omisso.


A segunda praga é o corporativismo. Muito da relação entre a sociedade e o governo local se dá em torno de agendas corporativistas que, nem sempre, privilegiam o interesse público.


Não há efetiva cobrança da sociedade para que o governo local funcione melhor ou de forma mais transparente. Muitas das reivindicações referem-se a salários e benefícios, e não ao comportamento republicano do governo. Ou, pior, a conquista do poder por meio de alianças e agendas com corporações.


A terceira praga é a opacidade. A relação do GDF com os seus fornecedores é pouco clara e nebulosa. Como o GDF quase sempre controla a Câmara Distrital e o Tribunal de Contas local e, ainda, tem a imprensa quase sempre omissa ou complacente, a operação do governo é quase um segredo de estado.


A quarta praga é o desinteresse. Boa parte da elite se relaciona com o GDF como se relaciona com a administração de um condomínio. Como vivem em torno da esfera federal de Brasília, o governo local é um episódio menor e, até mesmo, suburbano.


A quinta praga é o clientelismo. A autonomia política do Distrito Federal deu vazão a uma enorme força clientelística que se alimentava com a distribuição de lotes e de outros benefícios que criaram estruturas políticas poderosas.


Todos os atores envolvidos no escândalo do Mensalão do DF têm origem nessas estruturas políticas e se mantém eleitoralmente competitivos por meio do acesso e distribuição de benefícios da estrutura pública.


A sexta praga é ausência de debate ideológico. As forças políticas de Brasília se orientam, naturalmente, pela busca do poder. No entanto, tal busca não é amparado em um debate ideológico ou programático.


Daí as coalizões serem possíveis ainda que os rótulos partidários indiquem antagonismos incontornáveis. O que explica, por exemplo, a participação do PSB e do PPS no governo Arruda? É fácil, a busca pelo poder.


A sétima praga é o desequilíbrio institucional. No DF, como em todas as unidades da federação e no poder central, o Poder Executivo predomina sobre os demais.


Não há uma situação de equilíbrio e, portanto, o GDF assume uma situação de predominância sobre todos os demais poderes em detrimento do interesse da sociedade e do fortalecimento da democracia.


Enfim, estamos, ainda, na pré-história da política. O episódio do Mensalão no DF está estruturalmente ligado às sete pragas que assolam a política nacional.


Para finalizar. Independentemente de qualquer condição facilitadora da corrupção política, é necessário que se diga: a pessoa corrompe porque quer. Simples assim. Quando alguém não quer corromper, não há sistema político que o obrigue a isso, por pior que seja tal sistema (a renegar o ditado de que "a ocasião faz o ladrão", pois o ladrão, em verdade, já existia). O argumento (quase um mantra) de que "o problema da corrupção advém do sistema político", ou de que "enquanto não se fizer a reforma política, a corrupção não terminará etc. etc.", acaba por sedimentar a ideia de que o agente do delito é um mero autômato, vítima coitada do sistema. É óbvio que os analistas honestos da questão, quando argumentam nesse sentido, querem referir-se à necessidade de fortalecimento das instituições vigentes ou de elaboração de novas leis para diminuir ao máximo a oportunidade para delinquir. Com efeito, não há como ser contra o aprimoramento das leis e das instituições políticas, e é plenamente desejável que se realizem as reformas necessárias. Mas é preciso ter cuidado em não se transformar o ladrão em vítima das circunstâncias, pois, antes de tudo, roubar é uma questão de vontade. Reparem: quantas vezes já não vimos pessoas elas mesmas suspeitas por algum ato de corrupção vociferarem o mantra acima ("a culpa é do sistema!"), ou que  determinada ação corrupta (como o caixa 2), supostamente leve, "é prática sistemática na política brasileira", a sugerir, daí, que tudo seja, digamos assim, zerado? E pobre do cidadão que se insurgir contra tais pessoas: há uma grande chance de ser acusado de golpista. 


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